Pegando fogo: um filme que aborda reparos na relação com ex-parceiros/as
- Monica Martinez
- 17 de jan. de 2022
- 3 min de leitura

Confesso que fui fisgada por Pegando fogo (Netflix, 2015) devido ao elenco. Protagonizado por Bradley Cooper (Adam Jones), o filme tem Emma Thompson como a psicoterapeuta Dra. Rosshilde, o grande Omar Sy, de Intocáveis, fazendo um chef que havia sido ejetado do próprio restaurante, e Uma Thurman fazendo ponta, como uma importante crítica de culinária.
Na época do lançamento, muitos críticos acharam o filme insosso. Vendo-o agora, contudo, é possível destacar alguns sabores interessantes. Para começar, o título em português é menos preciso que o original em inglês: Burnt literalmente quer dizer queimado. Bem afiado, portanto, para descrever a história do americano de origem modesta, vindo de uma família desestruturada, com transtorno obsessivo compulsivo, que havia galgado o Olimpo dos chefs em Paris e perdido tudo na base do sexo e drogas. Muitas drogas, salgadas dívidas.
Ele volta aos Estados Unidos e estabelece uma autopunição digna de Sísifo: vai trabalhar num restaurante de Nova Orleans abrindo ostras. Dia sim, no outro também, vai meticulosamente anotando a quantidade num caderninho. Até a milionésima ostra, quando engole o molusco e sai do restaurante sem olhar para trás.
Apesar do martírio, nosso belo narciso ainda está chamuscado por dentro. Não sabe se conectar com seus próprios sentimentos, o que dirá com os dos demais integrantes da equipe. Cozinha seu trauma em fogo lento, sem buscar ajuda.
De uma forma arrogante, vai para Londres, cava um emprego de chef com um antigo colega que herdou o hotel e restaurante estrelado do pai e que teve um crush por ele. Monta uma equipe baseada em maestria técnica, com muitos ex-colegas que estavam tão sem prumo quanto ele. Sem querer dar spoiler, mas isto vai lhe trazer problemas sérios no futuro.
As cenas seguintes são sem graça, daquelas que estamos acostumados no Hell´s Kitchen, programa do explosivo chef Gordon Ramsay. É louça suja para todo lado no objetivo de Adam de conquistar a terceira estrela do prestigiado guia Michelin. Que chega ao fundo do poço, com ideação suicida no momento mais negro da trama.
O ponto que eu gostaria de trazer aqui é o importante papel de apaziguamento quando feito com ex-parceiros. Não é incomum a pessoa ainda estar emocionalmente ligada a alguém que foi importante na vida há anos, décadas. E aí a vida amorosa fica presa, como os ponteiros de um relógio quebrado.
Na abertura do restaurante de um rival, surge sua ex, Anne Marie, fresca depois de dois anos numa clínica de reabilitação para dependentes. Trata-se da sueca Alicia Vikander, Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por A Garota Dinamarquesa, do mesmo ano.
Numa passagem memorável, Anne Marie o brinda com dois elixires. O primeiro é o conjunto das facas de chef do pai, o grande mentor de Adam. O segundo é o pagamento da dívida com os narcotraficantes. A fala dela é ótima: “esta dívida é tanto sua quanto minha”.
Graças a este movimento, Adam consegue lidar com seus demônios. Em Psicologia Junguiana, representados por sua sombra, ou seja, aqueles aspectos de si mesmo que ele não aceitava. Do fundo do poço, começa a participar das reuniões de grupo da Dra. Rosshilde, passando a se entrosar melhor com a equipe.
Ganhar ou não a terceira estrela passa a ser algo de menor importância. Até porque neste momento pandêmico é difícil se importar com pessoas que confundem uma terceira estrela Michelin com a coisa mais importante da vida. O que interessa da trama é que, aceitas as mudanças, a vida volta a fluir para o chef. Com suas imperfeições.
Serviço
Título original: Burnt
Ano produção: 2015
Direção: John Wells
Roteirista: Steven Knight
Duração: 1h41
Elenco: Jessie Buckley, Julie Walters, Sophie Okonedo
Gênero: Drama
Disponível: Netflix
Comentarios