O guia da família perfeita: um filme sobre as fantasias da paternidade
- Monica Martinez
- 9 de ago. de 2021
- 3 min de leitura

O guia da família perfeita é a jornada de um pai canadense. Se olharmos as redes sociais de sua família reconstituída, construída pela segunda esposa, ele está lidando muito bem com os desafios, obrigada. Se olharmos os bastidores do cotidiano, no entanto, vem à mente o ditado antigo: por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento...
É, apesar dos seus esforços, as coisas não estão tão bem assim. Vamos à trama. Martin (Louis Morissette) e Marie Soleil (Catherine Chabot) aparentemente têm todos os privilégios do mundo: uma bela casa para chamar de sua, uma vida sexual ativa (quando o filho pequeno deixa, claro), ele tem um bom emprego e ambos um perfil de mídia social de fazer inveja aos amigos.
Quando se olha mais perto, no entanto, Martin tem suas questões não resolvidas, a começar por não conseguir expressar suas emoções e sentimentos. Fica claro num dado momento que ele não queria o primeiro divórcio. Mas sua primeira esposa não tinha, como ele, a fantasia da família perfeita como a segunda.
Com a qual, aliás, ele não tem uma conexão profunda – só quase no final do filme eles de fato têm uma conversa aberta, heart to heart, na qual Marie Soleil revela suas frustrações (não vamos dar spoiler aqui).
O filho pequeno do casal, Mathis, tem problemas comportamentais e luta para falar bem. Aliás, é interessante como os outros pais, colegas do casal, sabem de cor e salteado os diagnósticos da moda, como transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Filhos rotulados e medicados, a vida segue em frente.
O contraponto é feito pelos pais de Martin, que num dos raros momentos de paz no filme mostram sinais de acolhimento, conversa leve ao redor da mesa de jantar e risadas devido às idiossincrasias da idade madura, como o avô que compra equipamentos de pesca sem de fato gostar de pescar. E o eixo do mundo não vai mudar por causa disso.
A filha adolescente do primeiro casamento de Martin, Rose, é um capítulo à parte. A começar pelo desempenho da jovem atriz (Emilie Bierre), convincente no papel da adolescente angustiada para a qual cravar notas altas e mandar bem nos esportes para agradar o pai não faz sentido.
No fundo, Rose sente falta de uma conexão mais profunda, que não encontra com o pai, com a segunda esposa dele ou com sua própria mãe. Na fase da adolescência, ser verdadeiro é muito importante. E ela fareja a falta de autenticidade nos adultos que a cercam, o que evidentemente não ajuda sua saúde mental.
Quando tudo começa a desmoronar, o que estava velado começa a emergir. E a ponta do iceberg que se vê é o resultado da pressão decorrente das altas expectativas – com as melhores das intenções, claro – de se criar os filhos em uma sociedade ocidental obcecada pelo sucesso. Afinal, quem quer ser “um looser?” que atire a primeira pedra.
Em alguns sites, o filme é definido como uma comédia. Não é. Se você está procurando uma daquelas leves para assistir, esqueça. Está bem, tem alguns diálogos engraçados. Como a desculpa que Martin usa durante uma sessão de terapia por não estar sendo um bom pai para Rose (em tradução livre): “Não é minha culpa se eu sou um pai de merda. A culpa é dos meus pais, certo?”.
O bom é que bolor, em alguns casos, pode se transformar em coisas úteis, como a penicilina, já descobriu por acaso o médico escocês Alexander Fleming, em 1928. No final nem tudo segue perfeito para esta família, mas há uma certa luz no fim do túnel.
Serviço
Título original: Le Guide de La Famille Parfaite
Ano produção: 2021
Direção: Ricardo Trogi
Duração: 102 minutos
Elenco: Louis Morissette Émilie Bierre Catherine Chabot
Gênero: Drama
Disponível: Netflix