As loucuras de Rose: um filme sobre o mito moderno da relação mãe e filha
- Monica Martinez
- 2 de nov. de 2021
- 3 min de leitura

O compositor Harlan Howard (1927-2002) definiu seu estilo musical, a música country, como “three chords and the truth”, em português três acordes e a verdade.
A escocesa Rose-Lynn (interpretada pela ótima cantora irlandesa Jessie Buckley) leva esta máxima tatuada no braço.
Aos 23 anos, a mãe solteira de dois filhos antes dos 18, ex-presidiária, mora fisicamente em Glasgow, mas seu coração está em Nashville – a meca da música country estadunidense. “Eu deveria ter nascido na América”, fala como um mantra a jovem com sua tornozeleira, enquanto arranja encrenca de pub em pub.
O título do filme em inglês ajuda a compreendê-lo melhor. Wild Rose, rosa selvagem. Aliás, é o título do álbum da cantora irlandesa, que serve como trilha ao filme. Quem já viu a roseira, sabe que se trata de uma planta delicada, de não muitas pétalas, com um espinho aqui e outro ali. Mas com espinhos.
Rose-Lynn arruma um emprego de diarista na casa de uma família escocesa muito bem de vida. Para consegui-lo omite dados: não tem filhos, não é fichada na polícia... E cai nas graças da abastada Susannah (Sophie Okonedo). A dona de casa, insatisfeita com sua própria vida “perfeita”, mas sem conexões profundas, incluindo com o marido, projeta-se na jovem talentosa e começa a ajudá-la a conseguir seu espaço no showbiz.
Em uma canja que Susannah arranja para ela numa rádio em Londres, Rose recebe, mas não ouve, a dica: desde que encontre sua voz, ela pode fazer parte desta comunidade country onde quer que esteja, onde quer que cante. Claro que ela não ouve, pois seu coração, sua fantasia, sabemos, está em Nashville.
Neste ponto, aclara-se o papel da mãe de Rose, Marion (a ótima britânica Julie Walters, que vai de Harry Potter a Mamma Mia). Marion, que cuidou dos netos quando a filha esteve presa, quer que Rose assuma as responsabilidades que lhe cabem como adulta: arranje um emprego, cuide de seus filhos, pague suas contas.
Numa oportunidade ímpar que Susannah organiza, que não vamos dar spoiler aqui, Rose-Lynn abandona tudo o que lutou tão bravamente para conseguir e decide que não pode seguir em frente baseada em mentiras.
É um dos momentos mais tocantes do filme. A vemos finalmente seguir o conselho materno, arranjar um emprego onde a mãe trabalha e cuidar dos filhos. Mas ela faz tudo isto como um corpo oco, sem alma.
É a essência homônima das flores de Bach. Wild Rose é recomendada para aqueles que aceitam o que a vida traz sem pestanejar, pois abriram mão de lutar para conquistar seus sonhos. Neste estado resignado, Rose-Lynn nem sequer se dá ao trabalho de se sentir infeliz. Encolhe os ombros, joga a toalha e segue em frente, sem tentar mudar nada.
Este ponto é o achado do filme, que pode ser entendido como um mito de Deméter e Perséfone moderno. Ao fazer o acordo que a mãe pede, esta também cede e lhe abre as portas de seu sonho: junta suas economias de 20 anos e dá para a filha comprar a tão desejada passagem de avião e ir realizar seu sonho em Nashville. O que ela o faz.
Uma vez em Nashville, Rose-Lynn descobre que é mais uma entre milhares com o mesmo sonho. Neste momento, ela cresce. E troca a fantasia pela realidade, pelo tempo presente, por seu espaço duramente conquistado em Glasgow. E encontra sua voz.
Serviço
Título original: Wild Rose
Ano produção: 2018
Direção: Tom Harper
Roteirista: Nicole Taylor
Duração: 1h41
Elenco: Jessie Buckley, Julie Walters, Sophie Okonedo
Gênero: Drama
Disponível: HBO Mundi
Monica Martinez
Comments